Longe de todas as representações importadas, a exemplo da figura clássica do Bom Velhinho e da neve que não se vê por aqui, as comemorações natalinas em Vitória da Conquista são marcadas pelo que há de mais rico e forte na tradição popular nordestina. As danças, as cores, as oralidades passadas de geração a geração e tantas manifestações mantidas ao longo dos anos são resgatadas e inspiram a criação de espaços que celebram a riqueza cultural brasileira.
Prova disso é o Memorial do Reisado, localizado na Casa Régis Pacheco, no centro da cidade. Este ano, o espaço homenageia os Ternos de Reis, expressão artística trazida pelos colonizadores portugueses no início do século 19. Aberto para visitação gratuita do público, o Memorial apresenta com muita graça e sensibilidade a história, curiosidades e peculiaridades da tradição dos Reisados.
Concebido pela cenógrafa Victória Vieira, em parceria com o músico e artista plástico Marcelo Viana, o Memorial do Reisado cativa os visitantes ao trazer à tona o sentimento de identificação e de reconhecimento de elementos culturais já esquecidos por muitos. “A gente consegue traduzir através de objetos essa festa, essa manifestação cultural tão importante pro povo brasileiro. Você vê as crianças se encantando com isso, as pessoas se informando e se reconhecendo dentro da festa em coisas que, muitas vezes, passaram despercebidas, mas que agora a gente consegue juntar as peças”, diz Victória Vieira.
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| Parte da maquete elaborada por Marcelo Viana |
A maquete disposta na sala principal da casa é carregada de toda representatividade e simbologia extraída dos Ternos de Reis em tempos mais remotos. Na pequena vila com casinhas no estilo neoclássico, abençoadas por uma igrejinha barroca no alto do morro, expressões como a Marujada, por exemplo, são apresentadas em miniaturas e seguem à risca a indumentária, cores e instrumentos. A obra é de autoria de Marcelo Viana, que há cinco anos realiza este trabalho. “A cada ano é sempre um prazer. A prefeitura lança o tema e nós temos um mês de pesquisa e confecção de tudo. Em menos de uma semana a gente está com todo o projeto bolado, e aí vem a questão da execução e teste de material”, conta Marcelo.
O rapto da princesa Floripes
Ainda explorando todo o universo dos folguedos e histórias perpetuadas pelas tradições orais, a sala que recria a saga da princesa Floripes em atos representados por marionetes tem destaque. Em um ambiente que beira ao lúdico, a briga entre mouros e cristão ganha forma em bonecos de traços comoventes. Ao passo que idealizam as figuras medievais da história, o trabalho retrata, também, a maneira como ela é contada pelos reisados. O rapto da princesa Floripes, a guerra entre mouros e cristãos e a conseqüente rendição dos mouros ao cristianismo, são comumente encenadas nas Folias do Divino Espírito Santo que ainda se mantém viva em algumas cidades brasileiras.
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| A luta entre cristãos e mouros à esquerda. O casamento da princesa com o príncipe cristão à direita |
Presépios
Com seis metros de comprimento, o presépio em representação ao nascimento do menino Jesus também é uma concepção artística de Marcelo Viana. Segundo ele, a proposta é que, a cada ano, novos elementos sejam incorporados ao trabalho, aumentando assim o tamanho do presépio. A grande novidade deste ano são as peças em movimento, numa ilustração do cotidiano das pessoas. Outros presépios de formas e materiais diversos também estão expostos, e fazem parte de um concurso cultural para a escolha do mais bonito. A votação é realizada pelo público que visita o local.
Todos os dias, grupos de Ternos de Reis de Vitória da Conquista e região abrem as celebrações da noite no Memorial do Reisado, num misto de alegria e satisfação por cumprirem o importante papel de não deixar que a tradição se perca com o tempo.
No Memorial você também pode conferir uma homenagem ao artista plástico J. Murilo através de uma exposição que resgata as principais características do seu trabalho, além de quadros originais. Vale à pena a visita!
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