quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Só pra você e ninguém mais


Compartilhar fotos ou vídeos sensuais com quem quer que seja e da maneira que bem entender não é e nunca foi um problema. Contudo, a questão que temos hoje está centrada nas condições em que esse compartilhamento deixa de ser controlado pelo modelo das fotos e vídeos e passa a sê-lo por terceiros, quartos e quantos outros acabarem tomando posse daqueles registros antes pessoais. 

A expressão “caiu na net” é hoje autoexplicativa e não demanda qualquer outro significado que não a imprudência de alguém que teve suas fotos íntimas divulgadas na grande teia de comunicação viral que é a Internet. E, uma vez lá, as portas da privacidade dos protagonistas dessas histórias estão escancaradas, disponíveis a todos, ao alcance de um ou dois cliques. As vítimas de situações assim se veem presas em um universo de chacotas, piadinhas e comentários pejorativos vindos de toda parte.

Casos assim não afetam apenas pessoas, por assim dizer, “comuns”. Os casos de celebridades que “caíram” na rede formam uma lista numerosa com os nomes de Carolina Dieckmann, Miley Cyrus, Vanessa Hudgens, Murilo Rosa, Rihanna, Jonas Sulzbach,  Hayley Williams e muitos outros. Para ser mais recente, até mesmo um dos gêmeos da antiga série infantil da Disney “Zack e Cody: Gêmeos a bordo”, o ator Dylan Sprouse, teve fotos íntimas divulgadas na rede. Muitos desses casos acabaram envolvendo processos longos na Justiça. Mas, se nem as celebridades, que, às vezes, parecem estar acima do bem e do mal e das misérias humanas, lidam tão bem com a situação, o que esperar das outras pessoas? Meros mortais que são vítimas desse tipo de crime?

Em algumas situações, o caso toma proporções tão grandes que comprometem a vida social e mesmo profissional dos envolvidos, como foi o caso de “Fran”. A garota de 19 anos teve um vídeo de sexo com o ex-namorado compartilhado no aplicativo WhatsApp. A repercussão da gravação foi tamanha que a garota teve que mudar o visual e parar de frequentar a faculdade para evitar o assédio. Ainda em novembro, a adolescente Júlia Rebeca, de 17 anos, cometeu suicídio depois que a gravação feita por ela e que registrava o sexo entre ela, um rapaz e outra menina - mais um caso “viralizado” no WhatsApp. Em Vitória da Conquista, a página “Vitória da Conquista WhatsApp”, no Facebook, compartilhava fotos e vídeos explícitos de mulheres e meninas menores de idade da cidade sem o consentimento delas. Depois de diversas denúncias, tanto a página quanto o grupo foram excluídos.

Por mais que, muitas vezes, tentemos evitar, somos, invariavelmente, seres sexuais, inseridos numa sociedade de condenações moralistas falhas e miseráveis. Os padrões sexistas a que somos apresentados nos obrigam, desde pequenos, a vermos nossa sexualidade como sinônimo de vergonha: sinal pecaminoso de nossa vil humanidade. É justamente por culpa dessa visão arquitetada sobre bases históricas e sólidas de machismo e preconceito que olhamos torto para as vítimas de casos como os das meninas de Vitória da Conquista, de Júlia Rebeca, de “Fran” e de tantas outras que passam por aí e não chegam aos nossos ouvidos.

Embora os crimes virtuais de exposição de intimidade atinjam indiscriminadamente homens e mulheres, a realidade é inegável que são as protagonistas dessas histórias que mais sofrem com todas as consequências. Consequências que vão desde a autocondenação por ter caído na “lábia” de um malandro qualquer aos olhares condenadores dos outros, que iniciam todas as considerações, ao ver deles, "engraçadas" a respeito da garota.

Culpa da garota? Sim. Culpa de sua ingenuidade, de sua “inocência” em confiar num rosto – nem sempre – desconhecido. Falha de sua aguçada “intuição feminina” que não conseguiu identificar o perigo do outro lado. A culpa toda de si mesma por não ter visto que a câmera do celular, na verdade, era uma fechadura por onde poderiam espiar pessoas que ela jamais imaginaria se quer existirem.

Culpa do homem (ou de outra mulher, por que não?). Culpa de sua covardia. Poucos atos conseguem ser tão desprezíveis quanto trair à confiança de quem se abriu com você por ver ali um porto seguro. Culpa também das imposições sociais que não o condenam, mas sim o elevam pela sedução, pelo poder “macho” da persuasão.

São essas posturas de condenação e objetificação da figura feminina que ainda justificam pensamentos absurdos e antiquados como aqueles que culpam a mulher pelo próprio estupro. Afinal, ela estava usando roupas curtas, “ela provocou”, “ela procurou por aquilo”, “ela não se dá o devido valor e depois reclama”. As situações podem ser diferentes, mas são as mesmas desculpas: estúpidas, falsamente moralistas e claramente machistas.

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