segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Papo de Menina - Dentro de mim vive Alexandre


Tudo começa quando descobre-se o sexo da criança. Vamos comprar coisas de menina para menina e coisas de menino para menino. Bonecas X carrinhos, rosa X azul, papel de parede com estampa de cupcake X papel de parede com estampa de aviãozinho. 

Claro que não tem como ser o contrário. Ninguém iria comprar uma Caloi Cross para uma menina que espera uma Caloi Ceci. Ninguém, exceto o meu pai, que deve ter percebido meu espírito de moleque livre dos joelhos ralados. Embora tudo isso seja perfeitamente natural e inevitável, e as pessoas sejam divididas entre o sexo feminino e masculino, sempre achei estranho o lance “não faça isso que é coisa de menino”. 

Claro que isso deve ser atribuído muito à minha educação. Mesmo com os esforços incansáveis da minha mãe em me tornar uma daminha que sempre senta com as perninhas cruzadas e mantém o sorriso de princesa, ela sempre me deu a liberdade para – segura esse clichê – ser eu mesma. Sim, eu era livre para fazer as minhas próprias escolhas, mesmo que a minha mãe estranhasse a grande paixão pelo Jaspion ou a identificação com “Punk, a levada da breca”. 

A menina da Caloi Cross e do all star colorido
Com o passar dos anos, fui descobrindo que era muito mais sensação ser a menina da Caloi Cross. Talvez, não intencionalmente, meu pai tenha sido um visionário da personalidade que ali se formava: a de uma princesinha (segundo ele) que gostava mais da diversão dos meninos. Despretensiosa, solta, fluida, livre, cativante e cheia de lama. 

Vasculhando o meu santo passado, chego a incontestável conclusão de que a maior parte dos meus amigos foram homens (inclusive os que perduraram mais tempo). Os recentes também são, embora 50% sejam gays (apenas um gostaria de ser mulher, e os outros estão bem sendo homens gays). E as mulheres amigas só sobrevivem comigo porque são muito parecidas – ou comigo ou com um homem (na forma de pensar, obviamente). Eu até consegui desenvolver a habilidade de conviver com pessoas diferentes, mas continuo sem muita paciência. E a cada dia com mais preguiça. 

Hoje, apesar de eu ser essa mulher linda, maravilhosa, feminina, empresária e super responsável com meu trabalho (#beijomeliga), gosto mesmo é de me sentir um moleque correndo, fazendo palhaçada, me jogando na areia do vôlei, descendo trilha de bike, bebendo em botecos, não chorando ao quebrar uma unha, não querendo ser cortejada toda hora, sem vergonha de ser feliz, sem medo de me machucar e cantando alto com fone no ouvido. Penso, inclusive, que se a gente vivesse com menos medo dos rótulos, mulheres sendo mais homens e homens sendo mais mulheres, muitos conflitos de relacionamento seriam evitados. 

Tenho meus momentos diários de mulherzinha, mas acho papo de homem mais interessante do que o de mulher. Acho programa social de homem mais engraçado que o de mulher. Acho a liberdade (e libertinagem) do homem mais legal (e justa) do que a da mulher. E, ainda assim, sou muito respeitada pelos meus (eles e elas).

E, se um dia eu resolver ter um filho, ele será livre. Menino ou menina. Livre para se sujar de lama ou se sujar com a maquiagem. Mas o que eu tenho para ensinar são as coisas simples que eu amo: rolar com o cachorro no chão, manobras radicais de skate e o meu vocabulário de boteco. Sim, sou feliz é assim. De joelho rasgado, tramando a minha próxima aventura de bicicleta. Ainda dá tempo de ter um papel de parede de aviãozinho?

Alexandre seria o nome que meus pais me dariam caso eu nascesse homem.

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